E se tratássemos as doenças físicas como tratamos as doenças mentais?
- Susana Vaz
- 16 de mai. de 2019
- 3 min de leitura
Atualizado: 15 de dez. de 2019
Desde há já largos anos, que é sabida a posição de destaque que a saúde mental ocupa, directa ou indirectamente, nas nossas vidas. Para além disto, os números são claros: Mais de 450 milhões de indivíduos sofrem de algum tipo de doença mental [1]. Patologias do foro neurológico, mental ou de abuso de substâncias compõem um total de 13% da carga global de doenças, ultrapassando doenças como o cancro ou patologias cardiovasculares [2]. Estas doenças são, não só, muitas vezes incapacitantes, como chegam mesmo a poder encurtar a expectativa de vida em cerca de 20 anos [3] [4]. A morte através de suicídio está entre as 3 primeiras causas de morte em idades compreendidas entre os 15 e os 44 anos [1], sendo que cerca de 90% dos indivíduos que o cometem sofrem de algum tipo de doença do foro psicológico [2].
Estas são apenas algumas das estatísticas que ilustram a frase com que dei a início a esta reflexão. Mas então, com números tão claros quanto assustadores, porque é que continuamos a priorizar as doenças físicas e a negligenciar o impacto das doenças mentais? Imaginemos uma sociedade que tratasse as primeiras da mesma forma que aborda as últimas. Em que não recorrer a ajuda para tratar, por exemplo, de uma dor de cabeça, passaria a ser norma e não excepção. Imaginemos que esta dor passaria a ser tão constante que se tornaria parte das nossas vidas, passando nós a viver com ela e com tudo o que esta implica. Provavelmente tornar-se-ia gradualmente desgastante e até mesmo incapacitante, tirando-nos qualidade de vida e podendo até diminuir a duração da mesma. Se é tão claro que nada disto faz sentido, porque fará face às doenças mentais?
Apesar do conhecimento e até mesmo do reconhecimento crescente perante o impacto das mesmas, apesar da visibilidade estrondosa que os media têm fornecido através da divulgação em massa de histórias de personalidades mediáticas, este não parece ser suficiente. Não seremos nós os primeiros a olhar com assombro a notícia inesperada do suicídio de alguém que se encontra longe de nós, e a ignorar o mais simples sinal de quem está mesmo ao nosso lado? A desvalorizar a experiência do outro como se esta tivesse de ser inevitavelmente igual à nossa, ou a ter mais do que seria desejável a frase "mas isso passa!" na ponta da língua? Quem nunca menosprezou que o outro sentisse algo que não compreendemos que atire a primeira pedra. Mas já que aqui estamos, proponho ir ainda um passo mais atrás e pergunto: não seremos nós os primeiros a ignorar sinais vindos de nós próprios? A correr para os serviços de saúde quando a garganta dá sinal de si, mas a seguir em frente sem olhar para trás quando o corpo nos dá sinais claros de que estamos constantemente a pôr em causa o nosso bem-estar e a nossa qualidade de vida?
Como se pode notar, as perguntas que tenho são bastante mais do que as respostas, e talvez o importante passe não só por reflectir acerca do que acima questiono, mas por perceber onde reside o problema e por onde podemos começar a mudá-lo. Por um lado, os números primeiramente apresentados pecam por se encontrarem tão longe de nós, que quase que não nos conseguem tocar e perder-se-ão certamente na memória do leitor. Por outro, nem todas as perturbações do foro psicológico terão obviamente um final fatal semelhante ao anteriormente referido e chegam a ser, muitas vezes, invisíveis mesmo aos olhares mais atentos. O que é facto é que este fenómeno se parece prolongar sem fim à vista. Talvez devêssemos focar-nos em equilibrar a balança de quem negligencia as suas necessidades psicológicas mas nunca as físicas. De quem se apresenta tremendamente empático face a um braço partido, mas encara de forma leviana os sintomas de ansiedade e desconforto perante um contexto social. Acima de tudo, talvez devêssemos começar a mudança por nós próprios. Acredito que os pequenos (mas tão importantes) gestos comecem aqui.
Dados da [1] World Health Organization [2] National Institutes of Health [3] Time [4] Psychiatric News.

Comments